O sabor da cumplicidade e da amizade de quem não dispensa momentos de puro prazer literário; o sabor de uma pausa nos que-fazeres-habituais-da-vida-de-professor; o sabor da inevitável gastronomia, e o sublime sabor de sermos levados por Fanha a “[penetrar] surdamente no reino das palavras”, como diria Carlos Drummond de Andrade, onde se encontravam os poemas escritos e paralisados à espera de uma voz que lhes desse vida.
Com uma notável simplicidade e humanismo, o poeta José Fanha disse poesia de uma forma magnífica, mostrando toda a sua generosidade na luta que abraçou – divulgar a poesia e fazer dela um lema de vida. Revelou ainda ser um excelente contador de histórias, trazendo-nos, por vezes, uma visão humorística das suas vivências.
No entanto, as emoções não foram só para nós, os amigos que o ouviam. Fanha também as viveu intensamente.
Um grupo de três alunos do 9º B, o Gil, a Inês e a Marta, presenteou-nos com duas belíssimas interpretações de música clássica ao som de órgão, violino e violoncelo.
A finalizar, e de uma forma muito particular, o Luís (com alma de poeta, porque só um poeta pode sentir e dizer a palavra com tanta ternura e sentimento) “transportou-nos ao infinito” com “Este é o Nosso Poema”, da autoria do poeta convidado.
Viveu-se uma noite privilegiada, daquelas que passam e que nos deixam a olhar para trás. Não importa se volta, atravessou-nos uma vez!
ESTE É O NOSSO POEMA
José Fanha
Este é o poema do tédio
e da apatia
Este é o poema repetido
dia-a-dia
e já esquecido
Este é o poema do sono
da indiferença
do vazio
Este é o poema sem dor
sem fome
e sem frio
Este é o poema dos relógios
sem ponteiros
este é o poema que nunca chegou
a sair do tinteiro
Este é o poema repetido
nos mesmos sítios
nos mesmos sons
Este é o poema do destino
de quem o segue
dos «homens bons»
Este é o poema lento
quase parado
Este é o poema cinzento
mas agasalhado
Este é o poema com gravata e peúgas
da mesma cor
Este é o poema de entrar e sair
«bom dia» «boa tarde»
Este é o poema do desamor
Este é o poema dos truques
consentidos
pequenas batotas
Este é o poema da morte a conta-gotas
Este é o poema da vida inteira
frente à televisão
Este é o poema da pasmaceira
Este é o poema sem discussão
Este poema é um esquema
Este poema é uma máquina
Este poema é uma festa
Este poema porta-se bem
não contesta nada
Este é o poema que percorre livremente
o caminho permitido
Este é o poema que canta
o amor instituído
Este é o poema do discreto beija-mão
Este é um bonito poema,
batam palmas
porque este poema
não diz que não
Este é o nosso poema
Este é o poema
Este é o nosso poema
ESTE POEMA NÃO ESTÁ PROIBIDO